Um destes dias passei pelo parque de Monsanto. Havia carros estacionados e muitas famílias a aproveitar um dia de sol esplêndido. Os miúdos andavam entretidos em correrias a aos saltos. Felizes por estarem ali, ao ar livre, uns com os amiguinhos, outros com os seus pais.
Nestas alturas entendemos a vida na sua real plenitude. Pais que se assumem e são-no, não por mero acidente, mas por opção de vida. Sente-se que estão ali, e aquele é, sem dúvida, o melhor sítio do mundo, apenas porque é onde estão as pessoas que mais amam.
Não me parecem ser gestores de multinacionais ou de qualquer empresa cotada em bolsa. Provavelmente o lugar que cada um deles ocupa nas suas empresas, nem sequer é relevante.
Em contrapartida, o lugar que ocupam nas suas famílias é-o indiscutivelmente.
A par de toda esta actividade familiar, também se encontram alguns carros parados à sombra, em zonas discretas e pouco movimentada. Longe da zona de passagem obrigatória.
Lá dentro, numa comunhão de compromissos não socialmente assumidos, estão pessoas em fugidios momentos de intimidade. Comprometidos, e que procuram esconder-se quando se sentem observados.
Querem manter o anonimato.
Alguns claramente no inicio do trajecto. Outros já numa fase avançada, embora discretos, assumem maiores riscos e trocam carícias num crescendo que se vai tornando incontrolável. Qualquer deles, apenas procura conforto, em curtos momentos de fuga a realidades, por vezes complexas.
Um bom amigo, já desaparecido há alguns anos, confessava-me que esse foi um papel que ele tinha desempenhado e era, no seu entender o que de mais sublime havia na alma humana. Era o encontro esquivo de duas almas que se amavam. Não porque a vida assim o destinara, nem porque tinham a bênção numa qualquer cerimónia, mas porque, quando os amantes se encontravam, se vivem momentos de comunhão total. De corpo e espírito. Que lhes traz serenidade e harmonia às suas vidas.
Dizia-me ainda, esse bom amigo (figura das artes e das letras), que amantes são as pessoas que verdadeiramente se amam. São os que vivem do amor partilhado. E embora socialmente rejeitados, quando se vive nesse estado de amor total e incondicional, estão-se nas tintas para tudo o resto. Tudo é silencioso e clandestino.
Tinha passado grande parte da sua vida na procura da alma gémea. Só isso justificava a sua existência.
Acreditava que só aqueles que a descobriam poderiam ser felizes. Tornava tudo o demais suportável. Ele tinha sido abençoado. Tinha-a encontrado. E embora na altura estivesse amarrada a um compromisso, sabia que os dois estavam predestinados. Ambos sabiam que assim era.
A passagem por Monsanto trouxe-me à recordação esse bom amigo. E as noites em claro passadas em longas conversas em que me contava as suas aventuras e desventuras, de encontros e desencontros, com aquela que foi por parcos instantes, sua mulher, amada e amante.
Este meu admirável amigo, morreu de amor. Menos de dois anos após a morte física da sua mulher, ele desistiu da vida e iniciou a sua maior aventura de sempre. Iniciou uma nova busca pela alma gémea perdida, desta vez, na vida para além da matéria.
Espero que se tenham encontrado, e no lugar onde estão, qualquer que ele seja, gozem o amor porque tanto lutaram e merecem.